Atuar e dirigir
Na história do cinema, durante muito tempo, o diretor não
passava de um membro anônimo da equipe, geralmente subordinado ao produtor. O
grande público lotava as salas cinemas pela temática do filme ou para ver os
grandes astros, mas não pelo diretor. Porém essa cultura mudou em meados dos
anos 50, quando a revista francesa Cahiers
du cinéma apresentou a chamada “teoria do auteur” defendida por Françoise
Truffaut, que pregava que, apesar do trabalho coletivo, o principal responsável
pela obra era sempre o diretor; a teoria foi difundida nos Estados Unidos pelo
crítico Andrew Sarris e influenciou a visão do grande público em relação à essa
função, o diretor passou a ser então o “progenitor” da obra. Por conta disso,
hoje é impossível desvincular o nome de determinadas obras de seus diretores,
por exemplo: Titanic é “um filme de
James Cameron”, Fale com ela é “um
filme de Pedro Almodovar”, Cidadão Kane
é “um filme de Orson Welles”, Touro
indomável é “um filme de Martin Scorsese”, Psicose é “um filme de Alfred Hitchcock”, Farrapo humano é “um filme de Billy Wilder”, Laranja mecânica é “um filme de Stanley Kubrick” e Os imperdoáveis.
A prática de dirigir e atuar no mesmo filme existe desde
os primórdios do cinema, é quando o diretor resolve atuar em seus próprios trabalhos,
assumindo assim uma dupla função. Isso existe desde a época de Georges Mélìes,
no final do século XIX. Méliès dirigiu, atuou, escreveu e produziu centenas de
produções curtas. Ainda na era cinema mudo, grandes astros como Buster Keaton,
Erich Von Stroheim e o sueco Victor Sjöström assumiram alguns de seus trabalhos
tanto à frente quanto atrás das câmeras.
O astro maior da comédia dos anos 10, 20 e 30, Charles
Chaplin criou o seu famoso personagem, o vagabundo e dirigiu e atuou em dezenas
de filmes, além de produzir, roteirizar e compor as trilhas sonoras sem nunca
perder a mão. Mas mesmo após Chaplin abandonar seu famoso personagem, ele ainda
teve fôlego para continuar dirigindo e atuando em alguns de seus projetos da
fase falada.
Nos anos 40, novos cineastas e atores se aventurariam em
dirigir e atuar em seus filmes, Orson Welles se eternizou como o diretor e
protagonista de Cidadão Kane (1941), Laurence Olivier dirigiu a si
mesmo em algumas ocasiões, principalmente nas versões cinematográficas adaptadas
da obra de Shakespeare, como Henrique V (1944), Hamlet (1948) e Ricardo III (1955); Gene Kelly se tornou famoso por estrelar e co-dirigir
alguns de seus musicais mais famosos, principalmente Um dia em Nova York (1949)
e Cantando na chuva (1952); Jerry
Lewis, talvez se inspirando em Chaplin e Buster Keaton, também dirigiu e atuou
em várias de suas grandes comédias como O
mensageiro trapalhão (1960),
O terror das mulheres (1961) e O professor aloprado (1963).
Entre os anos 70 e 2000, surge uma leva de grandes atores
e diretores, e logo, o movimento de dirigir e atuar retorna com força. Tanto
que alguns dos filmes mais bem-sucedidos e premiados variam dessa época. Vale
destacar Sem destino (estrelado e
dirigido por Dennis Hopper); Noivo
neurótico, noiva nervosa (estrelado e dirigido por Woody Allen); Coração valente (estrelado e dirigido
por Mel Gibson); Os imperdoáveis e Menina de ouro (ambos estrelados e
dirigidos por Clint Eastwood) e A vida é
bela (estrelado e dirigido por Roberto Benigni). Aliás, Roberto Benigni e
Laurence Olivier são os dois únicos atores que já venceram o Oscar na categoria
de Melhor Ator atuando sob a direção de si próprio.
Cineastas reconhecidos como Quentin Tarantino e Spike Lee
ainda hoje mantém o hábito de reservarem a si próprios alguns pequenos papéis
em seus filmes.
Outros grandes atores reconhecidos já se arriscaram na
direção e na atuação simultânea, como por exemplo Jack Nicholson, Robert DeNiro
e Anthony Hopkins. O que leva um ator profissional a abrir uma exceção em sua
carreira e se aventurar como diretor é o fato de que, em suas experiências
anteriores, ele ter sido dirigido por outros diretores e, a certa altura, ter
tido a vontade de fazer o filme em questão à sua maneira, discordando das
técnicas dos diretores com os quais trabalhou, por isso ele decide fazer o
“seu” filme ao “seu” estilo.
Analisando friamente esta questão, geralmente quando um
ator tenta assumir a função de diretor, mesmo que por um filme, este filme
tende a não ser uma obra-prima. Tomemos como exemplo o ator Robert DeNiro, que
já entregou belíssimas atuações sob a direção de nomes como Martin Scorsese,
Francis Ford Coppola, Michael Cimino, Penny Marshall e David O. Russell, porém
quando ele mesmo se dirigiu, em duas ocasiões, o resultado não foi tão
satisfatório.