O filme italiano Cabiria, de 1914, do diretor Giovanni Pastrone, com uma parceria com o poeta Gabrielle D'Annunzio, que teria escrito os intertítulos, foi uma superprodução grandiosíssima para a época, exibida para pessoas dos mais altos escalões em vários países, inclusive nos EUA, quando foi apresentado na Casa Branca para o então presidente Woodrow Wilson.
Uma referência para os filmes épicos que vieram depois, com a grandiosidade e alta qualidade de seus cenários.
A história se passa entre os anos 218-202 a.C, durante o período da Segunda Guerra Púnica, entre o Império Romano e Cartago (onde é a atual Tunísia).
Cabiria é uma garotinha no início do filme. Ela sobrevive a uma enorme erupção do vulcão Etna, que fica na Sicília, Itália, junto com sua babá, que a protege de ser vendida como escrava, onde seria entregue em sacrifício ao deus (demônio) Moloch.
Quem já leu o Antigo Testamento sabe o quanto essa entidade Moloch é citada como sendo um ser horrível e nojento.
Arquimedes e o Cerco a Siracusa
O filme mostra também o cientista
Arquimedes (287-212 a.C.), da cidade de Siracusa, na Sicília, que hoje pertence à Itália, mas que na época fazia parte da
Magna Grécia (conjunto de colônias gregas que formavam a Hélade).
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Arquimedes |
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Ator Enrico Gemelli como Arquimedes |
Arquimedes era matemático, físico, astrônomo, engenheiro, e deixou enormes contribuições à ciência sobretudo no campo da engenharia.
Suas invenções bélicas também foram relevantes e no filme ele aparece desenvolvendo e aplicando sua invenção chamada "raio de calor de Arquimedes", que consistia de um conjunto de espelhos que devidamente posicionado conseguia atear fogo em determinados locais por refletir a luz solar.
O dispositivo foi usado contra os navios romanos durante o Cerco a Siracusa (214-212 a.C.), assim como várias outras invenções do cientista.
Transcrição dos intertítulos:
Il Primo Episodio
É entardecer. Os pastores cantavam sua canção. A musa Dórica inspirava as variadas flautas para aquela que "o favo de mel emprestou sua fragrância". E Batto retorna dos campos para a cidade, para seu jardim no Catana, com sua vista do Etna.
A pequena Cabíria, a amada filha de Batto. Seu nome lembra o espírito da chama trabalhadora, e Hestia (deusa da família e do fogo) ri sobre ela da lareira. Ela brinca com sua babá Croessa. (uma casa luxuosa com muitos escravos)
O poderoso peito do Tifão, sobre o qual descansa a Coluna Celestial, dá um pequeno sinal e quebra a paz da noite. Estão os rios de fogo prestes a correr novamente? Oh Etna! Etna!
"Oh, soberano deus, tu que colocaste teu trono no abismo, tu que apertas as raízes da Terra, tu que sequestraste a filha de Demeter (Perséfone) de seus prados sicilianos, e a carregou para os portões do Hades, o demônio de milhares de nomes, eu o invoco em sagrada libação, acalmas a fúria do implacável fogo. Sejai misericordioso com aqueles que oferecem sacrifícios. Recebas seus presentes e suas orações." (sacerdotes clamam e oferecem sacrifícios a Hades, deus do submundo)
A paz é tão profunda como a noite quando de repente um rugido chacoalha os que estão dormindo e os arremessa novamente em meio ao terror. (o vulcão Etna entra em erupção e todos começam a correr desesperados de um lado para o outro enquanto chamas caem do céu e as edificações começam a desmoronar.)
Em vão os servos procuram escapar pelas rachaduras das paredes em ruínas. Então, de repente, eles descobrem uma passagem desconhecida, uma escada secreta que leva ao subterrâneo.
Aqui a fortuna de Batto, o acumulador, tem sido recolhida e escondida. À visão dessas deslumbrantes riquezas, a ganância venceu seus medos. Carregados com o inesperado butim, os servos escapam. E com eles está a babá Croessa.
Os sobreviventes choram a doce Cabíria, acreditando estar ela enterrada sob os escombros. Nunca novamente eles devem sorrir. (os pais choram por ela)
Il Secondo Episodio (00:09:05)
Os sobreviventes (servos) dividem o tesouro.
Espalhados ao longo da praia devastada, famintos, ainda pressionados pelo medo, os fugitivos procuram pelo mar. Eles encontram um navio abandonado, como se tivesse sido oferecido pela graça dos deuses.
É o navio dos piratas fenícios, que tinham atracado para procurar madeira. (eles chegam, matam os servos e levam Croessa e Cabíria como escravas)
Croessa e Cabíria são vendidas no mercado em Cartago. Karthalo, o alto sacerdote, compra a jovem vítima como uma oferta a Moloch, o deus do bronze.
Fulvius Axilla, um patrício romano, e seu escravo Maciste, vivem anônimos em Cartago. Eles espionam os movimentos da república rival.
O taberneiro Bodastoret.
Fulvius Axilla e Maciste são clientes da pousada do Macaco Despido (Striped Monkey).
O Alto Sacerdote seleciona as vítimas na cela do templo. Croessa tenta salvar Cabíria dizendo que a criança está doente, e portanto inaceitável para o deus Moloch. Mas seu fingimento falha. A vítima inocente é prometida para o próximo sacrifício.
Sua farsa é punida. (ela recebe chibatadas e é dada como morta)
Croessa reconhece Fulvius Axilla como um romano, e implora para ele salvar Cabíria.
"Aqui está um talismã de graça, um poderoso anel. Tome-o. Esse é o poder que ele carrega: se você ajudar... pelo deuses... ajuda você receberá." O romano se sente tentado pela perigosa empreitada.
O templo de Moloch.
A invocação de Moloch.
"- Rei de duas regiões. Eu o invoco. Eu respiro o profundo fogo nascido de você, o primeiro nascido.
- Aceita as cem crianças inocentes. Engole. Devora! Seja saciado! Cartago lhe dá suas flores."
"Escute-me criador voraz, você quem dá vida e você que destroi todas as coisas, oh faminto insaciável, agora escute-me!"
- Aceite a mais pura carne pura! Aceite o mais doce sangue! Cartago lhe dá suas flores."
"Agora consuma o sacrifício em sua garganta de chama, oh pai e mãe, oh deus e deusa, oh pai e filho, oh deus e deusa! Criador voraz! Rugindo, ardente faminto..."
(crianças são entregues a Moloch e na vez de Cabíria Fulvius e Maciste conseguem salvá-la)
Fugindo de seus perseguidores, os audaciosos heróis buscam refúgio no telhado do templo.
(eles fogem com a menina para a pousada)
Maciste convence o confuso taberneiro.
"Por Baal-Samin, que assiste a tudo do estrelado firmamento! Por Baal-Peor, vocês devem acreditar em mim! Eu não vi ninguem!" (os perseguidores vão embora)
Croessa paga caro pelo resgate da vítima.
Il Terzo Episodio (00:30:40)
Enquanto isso, Aníbal, a "espada de Cartago" segue seu destino através das montanhas sagradas que alcançam os céus como uma parede impenetrável. (218 a. C. - segunda guerra púnica)
Com força e persistência extraordinárias, Anibal atravessa os Alpes. O poder do seu avanço ameaça Roma.
A alma de Cartago é inebricada com as boas notícias de vitória. A cidade exalta seu filho.
Enquanto isso, Fulvius Axilla e Maciste se escondem na pousada do Macaco Despido. Eles estão protegidos pelo cauteloso silêncio do medroso Bodastoret.
Avisado do perigo que ameça Roma, sua distante terra natal, Fulvius decide tentar uma fuga naquela mesma noite.
Sofonisba, a filha de Asdrúbal, a apaixonada "flor da romã". (general Asdrúbal Giscão)
O rei numídio Massinissa é um hóspede de Asdrúbal, que promete a ele sua linda filha, Sofonisba.
Massinissa, príncipe dos guerreiros cavaleiros, envia um presente para a misteriosa virgem e implora para vê-la em segredo, ao nascer da lua, no jardim de cedros.
(Sofonisba recebe os presentes e fica entusiasmada)
- "Como ele é? Conte-me!"
- "Como o vento da primavera que atravessa o deserto em pé de nuvens, trazendo cheiro de leões e a mensagem de Astarte." (Astarte equivalente a Tamit - esposa de Baal, deusa da lua)
Ao cair da noite um cauteloso homem adentra o maravilhoso templo.
" Eu não vi nada. Eu não sei de nada... Mas uma noite, eu ouvi dos patrões da minha pousada... Ao nascer da lua dessa noite, coloca-se uma emboscada lá..."
A lua nasce.
"Oh rainha que traz a luz... deusa noturna vista por todos com chifres de búfalo... que caminha em um círculo, que se deleita em vigília, que cresce e míngua... fértil, feliz, radiante... proteja seus suplicantes... receba-os dentro dos seu mistério."
(Sofonisba se arruma para o encontro com Massinissa)
Outros corações. Outros medos.
(Fulvius e Maciste saem da pousada com Cabíria e são interpelados pela população)
Uma circunstância afortunada favorece o romano. (Fulvius pula no mar)
"Oh deusa do amor, celebrada em mil hinos, você que concede suas graças em segredo infunde invencível desejo nos imortais... você que encontra prazer no escuro da noite e nos leitos de marfim... fértil, habilidosa, sorriso infinito... Entre nas profundezas do coração que a invoca."
Ainda perseguido, Maciste se esconde nos jardins de Asdrubal. (e interrompem o encontro de Sofonisba, Massinissa e a escrava)
"Proteja-a, e os deuses o protejerão."
-"Esse homem apareceu em minha frente inesperadamente. Não há nada com ele e ninguém o acompanha."
- "Oh Moloch, ajude-nos a encontrá-la. Ela está com o outro sequestrador." (Massinissa sobre Maciste enquanto Sofonisba e a escrava escondem Cabíria)
Ainda sangrando por causa da terrível tortura, Maciste é acorrentado a uma pedra pelo resto da vida. A morte teria sido muito misericordiosa.
Para Roma.
O taberneiro se vinga do medo que ele passou. (Bodastoret provoca Maciste)
Il Quarto Episodio (00:53:35)
A sorte de Aníbal, o vencedor de Canas (batalha de Canas 216 a.C.), muda de lado. O pro-Cônsul Marcelus sitia Siracusa, aliada de Cartago. Fulvius Axilla luta sob a insignia do vencedor de Nola (batalha de Nola 216 a.C.).
Mas um velho sábio, levantando a vista de suas meditações, inventa máquinas irresistíveis para defender as muralhas da cidade.
Arquimedes (então com 71 anos de idade) pede fogo ao sol para destruir a frota romana.
Um instrumento nunca antes visto aparece de repente, divino como um feixe de raios silenciosos.
Fulvius Axilla é incapaz de conter o pânico que o rodeia.
Nessa mesma noite a formidável frota romana não é nada além de uma fogueira apagada em águas calmas. (Fulvius cai do barco em chamas no mar)
A correnteza leva Fulvius ao mar de Aretusa.
Qualquer esperança de salvação é perdida.
Mas o anel de Croessa ainda está no dedo do náufrago. "Se ajudar, a ajuda receberá." E a ajuda chega, apesar da desesperança. (Fulvius é resgatado do mar, um dos homens reconhece o anel da casa de Batto e os homens o levam até lá desacordado.)
Ao se recuperar, o hóspede de Batto conta a história do anel.
"Héstia, inefável fonte dos felizes deuses e dos míseros mortais, aceite nossas oferendas. Cabíria está viva e seu fogo a acompanha."
- "Ela estava viva. Agora, eu não sei..."
E despedindo-se de seu angustiado anfitrião, Fulvius Axilla promete procurar Cabíria se o destino levá-lo a Cartago.
Il Quinto Episodio (1:02:00)
Sifax, rei de Cirta, tomou o reino de Massinissa, que desapareceu no deserto. Asdrubal entrega sua filha ao rei mais poderoso, assegurando uma aliança contra Roma com seu já envelhecido genro.
(Sofonisba) "Minha amada pomba, suba no carro de Tanit e leve até ela a tristeza e leve até ela a tristeza do meu coração."
Mas Cipião, o favorito do povo, conquistador da Espanha, já controla a África. Lelius o acompanha, e Massinissa, o cavaleiro bandido de Numídia, sonha com a coroa de Cirta.
Familiarizado com o território, Fulvius aceita se infiltrar em Cartago para reconhecer suas defesas.
Nas muralhas da cidade fortificada. (formação da escada humana 1:10.00)
Na mesma noite Asdrúbal convoca o conselho.
Cumprida sua missão, Fulvius lembra-se de Maciste e Cabíria, que estão na cidade inimiga há mais de 10 anos. A sorte do velho taberneiro melhorou.
Fulvius conta a Bodastoret que seu único desejo é reencontrar seu fiel servo Maciste.
Mas na noite seguinte, enquanto o velho taberneiro dormia... (Fulvius vai às escondidas até a prisão de Maciste)
A alegria da inesperada liberdade aumenta sua força.
"O medo cortou seu alento para sempre." (Bodastoret cai morto de medo quando vê Maciste livre)
Maciste não soube mais de Cabíria desde que a noite em que a confiou a uma desconhecida.
Kartalo chegou a Cirta.
E Sifax sai em marcha contra as forças de Roma.
Não deixe que ninguém viva para levar a notícia do massacre através dos mares.
Para Kartalo, cujo olhar cheio de luxúria já havia se fixado em sua delicada beleza, a escrava favorita de Sofonisba responde: "Meu nome é Elissa, como a rainha de tudo aquilo que é branco e de perfeito silêncio. (Elissa é o outro nome da rainha Dido, fundadora da cidade de Cartago)
Antecipando o próximo ataque, Cipião mudou o acampamento para uma posição mais segura. Desiludidos e perplexos, Fulvius e Maciste temem nunca alcaçar a segurança.
Totalmente exausto, Fulvius abandona a batalha.
O campo de Sifax arde em chamas.
Maciste vê as chamas à distância. É um raio de esperança.
Fulvius e Maciste são capturados pelos fugitivos que tentam chegar a Cirta, sua cidade natal.
O fulminante Massinissa empurra o inimigo à derrota, sem quartel.
O rei Sifax é capturado. A vingança é feita.
Elissa se compadece dos sedentos prisioneiros. Só a morte trara um fim a seus sofrimentos.
Cirta resiste a seus atacantes, mas a teimosa audácia de Massinissa está prestes a quebrar a constância do adversário.
A lembrança da noite de luar nos jardim de cedros.
Enquanto isso Maciste supera o tédio.
O sonho de Sofonisba
"Que venha Karthalo para interpretar meu sonho."
"A criança resgatada... A fúria de Molock... a ruína do reino"
Sofonisba revela o ocorrido muitos anos atrás nos jardins de Asdrubal.
O sacerdote ordena que a vítima resgatada seja devolvida.
Espiando o sacerdote, Maciste prepara uma doce vingança. Ele sabe que de qualquer jeito teria que morrer.
Com as palavras de Karthalo, Maciste reconhece a pequena Cabíria na escrava Elissa.
O destino é generoso. Jamais uma fortaleza sitiada esteve com tal provisão de suprimentos.
Com o coração cheio de medo, Cabíria se despede da luz.
Perplexo ao ver seu rei acorrentado, o povo de Cirta se rende.
O conquistador concede aos soldados um dia de saque.
"O Massinissa glorioso líder romano, se Sofonisba é parte dos espólios, ela é sua."
"Não sou em quem toma a rainha, senão a rainha é quem me toma. Por Gurzil, o deus da batalha, por todos os nossos deuses, consagro a você a minha espada."
Assim, graças aos encantos da feiticeira real, o indomável numídio se dispõe a trair Roma.
"A prometida de Massinissa não adornará o triunfo do Cônsul."
Fulvius e Maciste continuam sua heróica resistência, enganando como vinho e sonho o tédio da trégua.
Mas os servos furiosos finalmente tentam asfixiá-los.
A deusa, que se regozija com as graças nupciais e concede sua graça em segredo finalmente atende às preces de Sofonisba.
Quando informam de seu extraordinário cativeiro, Massinissa deseja conhecer os audázes heróis.
Massinissa convence a rainha a poupar a vida de seus inimigos. E Fulvius Axila, preocupado com a situação de Cabíria, ousa implorar a Sofonisba por sua sorte.
"Já não vive. Foi assassinada."
Enquanto isso Cipião estabeleceu seu acampamento perto de Cirta. Lelius lhe informa que a filha de Asdrúbal tenta colocar Massinissa contra Roma do mesmo modo que havia feito antes com Sifax.
"Publios Cipião, cônsul de Roma, envia suas saudações a Massinissa, rei dos numídios, e o convoca a seu acampamento de pronto."
O rei resiste em deixar sua mulher nas mãos do cônsul. Mas o cônsul a reclama como parte do espólio.
"Lembre-se de que está na presença de Roma."
O cônsul trata a rainha cartaginesa como um espólio de guerra.
"Não colocarei sua lealdade à prova. Porém, peço-lhe um favor para a rainha, que lhe foi piedosa e que ainda pode lhe dar outra dádiva inesperada."
"Envie-me Maciste em segredo."
"O rei Massinissa envia à rainha Sofonisba um presente digno apenas de um coração real."
"Oh rei, eu recebo seu presente nupcial com o coração real."
"Assumo todo a responsabilidade pela minha morte. Nem preces, nem libações alterarão este ato final. Matisman, deus da morte, nenhuma oferta lhe faço como esta libação."
"Mensageiro da infâmia de Roma, é tarde demais. Mas Sofonisba ainda é a rainha e em troca deste presente mortal, ela mostrará misericórdia. Abdal, aproxime-se e escute-me. Vá... Faça o que eu digo."
Apesar de consagrada ao deus voraz e outra vez prometida como sacrifício vivo Cabíria escapará do destino do fogo.
"Eu a entrego a você. À medida que eu mergulho na escuridão eu trago a luz que brilhará em seu rosto."
Conquistada e desarmada pela derrota de Zama, Cartago se rende ao inevitável julgo. Outra vez os navios romanos voltam a cruzar o mar que fora o local de sua primeira vitória naval. A vitória que proclamou o nome de Roma desde de rostro de Duilius através dos mares.
"Quem canta agora as guerras púnicas? Quem se lembra de Cápua, de Matauros, de Útica e de Zama?"
"Eu não fui conquistado por cavaleiros, soldados ou navios, senão por um poder recentemente revelado, um poder cujas flechas partem dos olhos do amor."