Filme de 1954, com o ator Marlon Brando, vencedor de oito prêmios Oscar, incluindo o de melhor direção, ilustra aqui a biografia do controverso diretor Elia Kazan, em texto de Vitor Grané Diniz, da página "Noites de Cinema" (Facebook e Instagram).
Ilías Kazantzóglu – nome de batismo de Elia Kazan – nasceu no dia 7 de setembro de 1909, em Istambul, Turquia. Formou-se no colégio Williams e depois seguiu para a Yale school of drama. Desenvolveu interesse por cinema e literatura depois de conhecer Sergei Eisenstein e Frank Norris. Antes de ser tornar diretor, Kazan assumiu outras pequenas funções no meio teatral, cuidando de cenários, figurinos, iluminação, além de algumas atuações.
Ao lado de Robert Lewis, Lee Stresberg e Cheryl Crawford,
Kazan fundou o Actors studio. O grupo não tinha pretensões comerciais,
era apenas uma equipe de atores que se ajudavam mutuamente e se reuniam com
frequência para reviver o teatro oficina. Dentre os demais participantes
estavam Montgomery Clift, Maureen Stapleton, Karl Malden, Eli Wallach, David
Wayne e Patricia Jackson. "Quase tudo o que
eu aprendi como ator veio dos primeiros anos no Actors studio", diz
Paul Newman. As pequenas apresentações e exercícios de improvisações
eram restritos aos demais estudantes. “De vez em quando eu ia ao Actors
studio nas manhãs de sábado porque Elia Kazan estava lecionando”, recorda
Marlon Brando.
No extenso universo do cinema, há diretores com os mais
variados estilos e metodologias de trabalho, alguns desenvolveram o estilo de
dirigir atores e outros não, por exemplo: cineastas como Stanley Kubrick e
Alfred Hitchcock se preocupavam muito mais com a trama e as técnicas de
filmagem do que com o trabalho dos atores; já outros diretores como Quentin
Tarantino, Roman Polanski e Clint Eastwood são o que se chama de “diretores de atores”, chegando a fazer
toda a cena atrás das câmeras para que os atores pudessem visualizar as
expressões e movimentos que eles queriam. Elia Kazan era um perfeito exemplo de
diretor de atores, prova disso é que basta analisar a quantidade de atores e
atrizes que já foram premiados sendo dirigidos por Elia Kazan: Marlon Brando,
James Dunn, Celest Holm, Vivien Leigh, Karl Malden, Kim Hunter, Anthony Quinn,
Eva Marie Saint, Jo Van Fleet. “A primeira coisa que faço com um ator não é
assinar um contrato, eu o levo para jantar e para dar um passeio e converso com
ele, conheço a mulher ou namorada, descubro com quem ele terminou ou com quem
começou a namorar, conheço os filhos do ator, converso com ele, tento
conhece-lo como pessoa, esse é o meu material, a experiência dele é o material,
isso é exatamente Stanislavski, group theatre, mas também é o meu
método, acredito nisso, e depois de conhecer o ator sei o que posso explorar,
se não conheço o ator, não sei o que pode acontecer”, explica Elia Kazan.
Em Vidas amargas
(1955), por exemplo, tanto James Dean quanto Cal (seu personagem) tinham
problemas de relacionamento com seu pai. Ainda por cima Rymond Massey, que
interpreta o pai de Cal, não nutria boas relações com Dean. Kazan se valeu
disso para criar uma convivência tensa entre os dois, tanto em frente quanto
atrás das câmeras. Em Laços humanos (1945), Kazan fez a pequena atriz
Peggy Ann Garner chorar de verdade. Na época, o pai da menina estava servindo
na guerra como piloto de caça. O diretor teria dito algo à menina sobre seu
pai, e ela não parou mais de chorar o dia inteiro, o que foi importante para a
cena.
No entanto, havia diretores com mentalidades
completamente opostas à de Elia Kazan, note-se o espanhol Luis Buñuel. Segundo
a atriz francesa Catherine Deneuve, nas filmagens, antes de começar a rodar,
Buñuel insistia "Catherine, não demonstre
nenhuma motivação! No motivation!”. Já Alfred Hitchcock, por exemplo,
também não tinha como prioridade a interpretação, seus focos eram as técnincas,
a trama e a narrativa, certa vez ele chegou a afirmar que “atores eram gado”.
O fato é que já fazia algum tempo
que o cinema clamava por interpretações mais realistas, e quem se saiu na
frente foi um movimento que ficou conhecido como o “neorrealismo italiano”,
consagrado nos anos 40, que embora tivesse muitas estrelas da época – como
Ingrid Bergman e Anna Magnani – buscava colocar pessoas comuns para interpretar
papéis com os quais eles se identificassem de fato, como no caso do filme Ladrões
de bicicleta (1947); para viver um operário desempregado, o diretor
Vittorio de Sica escalou Lamberto Maggiorani, um verdadeiro operário de
fábrica. Segundo De Sica, Maggionari era apenas “um simples trabalhador de
Breda que deixou seu emprego durante dois meses para me emprestar seu rosto”.
Essa proximidade entre o ator e o personagem tendia a trazer mais naturalidade
à interpretação. Em uma sequência do filme Umberto D (1952), uma jovem
dona de casa (Maria Pia Casilio) acende o fogo na cozinha, varre o chão, acende
o fogo novamente, olha para fora, lança insenticida em algumas formigas, o café
fica pronto, tudo em absoluto silêncio. O espectador é condicionado a
acompanhar todos estes pequenos atos diários, enquanto a personagem permanece
sozinha com seus pensamentos e afazeres diários.
Nos anos 40 e 50, o cinema norte-americano passou por uma
difícil fase que ficou conhecida como Era MacCarthy, ou simplesmente
Marcatismo. Nessa fase pós-segunda guerra, o comunismo era visto e tratado como
um crime. O HUAC (Comitê de Atividades Antiamericanas do Cogresso) tinha como
função investigar a filiação, envolvimento e infiltração de simpatizantes
comunistas nos meios de comunicação e entretenimento, e por isso mais de 250
membros da comunidade Hollywoodiana foram proibidos de prosseguir com suas funções
profissionais, ao passo que tantos outros se viram obrigados a delatar e
identificar comunistas. As investigações e delações se tornaram atrações
midiáticas a ponto de serem transmitidas em rede nacional por rádio e
televisão. “A transmissão pela televisão dos depoimentos dos atores, diretores
e produtores convidados a prestar testemunho a respeito da influência comunista
nos meios cinematográficos condenou um mundo mítico a um ritual de humilhação
do qual este saiu diminuído”, explica o autor Olivier-René Veillon em seu livro
O cinema americano dos anos cinquenta.
Boa parte dos estúdios
preferiu não comprar briga com o congresso, e comprometeram-se a demitir
qualquer um que se recusasse a cooperar, e quem não o fizesse teria seu nome
incluído em uma ‘lista negra’. O coro ainda ganhou o reforço da Screen actors guild, uma associação de atores de
cinema liderada à época por Ronald Reagan, que apoiou a posição dos estúdios e
ainda haviam contratados ex-agentes do FBI para ajudá-los a banir os
contratados com passado político suspeito. E mais, em 1947 cinquenta executivos
dos principais estúdios de cinema dos Estados Unidos se comprometeram a demitir
qualquer de seus contratados que se recusasse a cooperar com o Comitê de
Atividades Antiamericanas.
Em pleno início dos anos 50, menos de uma década após o
término da segunda guerra mundial, Hollywood se dividira, de um lado formou-se
a MPA (Aliança Cinematográfica Para Valores Americanos), um segmento
conservador que apoiava as investigações. E por outro lado surgiu o Comitê Pela
Primeira Emenda, que defendia a liberdade de expressão e livre pensamento,
grupo que incluía, entre outros, nomes como John Huston e William Wyller. A
indústria cinematográfica estava tão aterrorizada pelas investigações e
delações que vários estúdios começaram a produzir filmes assumidamente
anti-comunistas, como Meu filho John
(1952) e Anjos do mal (1953), como
uma forma de se firmarem contrários ao comunismo. Moralidade, democracia,
patriotismo, valores cristãos e libertários passaram a ser exaltados nas
produções.
Elia Kazan havia sido membro do partido comunista entre
1932 e 1934. Quando estava sob investigação, Kazan fez um compilado de todos os
seus filmes e peças teatrais para mostrar que, nelas, não havia qualquer tipo
de apelo comunista. No auge do Marcatismo, para não ser preso ou impedido de
trabalhar, Kazan aceitou delatar alguns colegas membros do partido comunista
ligados ao cinema, entregou nomes como Art Smith, Morris Carnovsky, Phoebe
Brand, Lewis Leverett, J. Edward Bromberg, Paula Millers, dentre outros; tal
delação pôs fim à carreira de uma série de pessoas ligadas ao meio do
entretenimento. Em entrevista ao seu biógrafo Michel Ciment, Kazan afirmou ter
delatado para denunciar a realidade suja do Partido Comunista, com o qual ele
havia se decepcionado.
A triste consequência da época e do movimento é que
roteiristas como Michael Wilson, Dalton Trumbo, John Howad Lawson e Albert
Maltz ficaram sem trabalho de uma hora para outra. Muitos artistas incluídos na
lista negra tiveram que se exilar, se aposentar ou adotar pseudônimos, ou
melhor, diretores e roteiristas poderiam adotar pseudônimos, porém um ator não
pode mudar sua face, e isso fez com que muitos profissionais do ramo da
interpretação tivessem suas carreiras duramente afetadas. Estima-se que mais de
trezentos profissionais do cinema tiveram seus contratos revogados e suas
carreiras encerradas. Muitos estúdios cinematográficos se viram obrigados a
demitir atores, diretores, roteiristas e demais profissionais que fossem
considerados subversivos.
A imagem do diretor Elia Kazan foi severamente abalada e
durante o restante de sua vida, ele seria tachado como um traidor. A absurda
situação chegou no auge durante a cerimônia do Oscar de 1999, quando Elia
Kazan, já bastante idoso, subiu ao palco para receber um prêmio honorário pela
carreira; quando o veterano subiu ao palco a plateia ficou dividida. De Niro,
Scorsese, Meryl Streep, Warren Beatty e Kathy Bates aplaudiram e reverenciaram
o veterano diretor, já Nick Nolte, Ed Harris e Sophia Loren foram alguns dos
que não aplaudiram, ignorando toda a contribuição que Kazan dera à indústria
cinematográfica. Foi constrangedor!
Texto de Vitor Grané Diniz da página "Noites de Cinema" (Facebook e Instagram)
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