Doze Homens e Uma Sentença

 Filme de 1957, do diretor Sidney Lumet, ilustra o texto abaixo sobre o surgimento na indústria do cinema de um movimento muito marcante que ficou conhecido como "Nova Hollywood". 

Um texto escrito por Vitor Grané Diniz, da página "Noites de Cinema" (Facebook e Instagram).




            Nova Hollywood

             Em 1966, o cinema americano passava por uma transformação; a essa altura, chegava com força o movimento que ficou conhecido como Nova Hollywood, uma revolução cinematográfica que chegou para abordar temas polêmicos e desafiar tabus.

Como se vê, a temática da segregação racial já começava a ser explorada no cinema norte-americano, destaquemos também alguns exemplos como Em Doze homens e uma Sentença (1957),  primeiro filme de Sidney Lumet, doze jurados discutem o destino de um homem negro acusado de matar o pai; em Acorretandos (1958), dois prisioneiros fugitivos, um negro (Sidney Poitier) e um branco (Tony Curtis) se vêm obrigados a passar toda a fuga juntos, uma vez que estão acorrentados pelo pulso; em Anatomia de um crime (1959), o advogado interpretado por James Stewart tem a função de defender um tenente do exército branco acusado de matar um homem negro que, supostamente, teria violentado sua esposa. Uma das obras mais notáveis da época, O sol é para todos (1963) apresenta Gregory Peck como um advogado que defendia um negro acusado de estupro em uma cidade do Sul dos Estados Unidos. Porém foi em 1967, um ano após o lançamento de Caçada humana, que o tema racismo deixaria uma real marca no cinema norte-americano, e isso se deve ao lançamento de três filmes em específico: Ao mestre com carinho, Adivinhe quem vem para jantar e No calor da noite (1967), todos estrelados por Sidney Poitier, um dos primeiros atores negros a gozar de certa popularidade em Hollywood.

De acordo com o autor Mark Harris em seu livro Cenas de uma revolução: o nascimento da nova Hollywood, “mais de uma década depois de a lista negra do senador McCarthy terem feito com que boa parte da produção cinematográfica se afastasse das questões políticas, o movimento pelos direitos civis vinha se tornando a oportunidade ideal para que muita gente em Hollywood radquirisse o direito de se manifestar nesse sentido”.

Vale destacar que grandes nomes do cinema adotaram o ativismo político paralelamente à sua profissão: Marlon Brando, Paul Newman, Gregory Peck, Robert Wise, Jane Fonda e Barbra Streisand. Newman, por exemplo, chegou a marchar ao lado de Brando na capital Washington, em agosto de 1963, em um famoso ato pelos direitos civis. “A marcha pelos direitos civis de agosto de 1963, em Washington, foi um momento de renascimento da politização em Hollywood, que segundo o colunista do The New York times Murray Schumach: ‘decidiu reunificar o país depois de quase dezesseis anos de secessão espitirual’”, explica Mark Harris. Como ator e ativista, Gregory Peck rejeitava o status de “benfeitor”, no entanto não escondia suas posições político-sociais a ponto d’elas inteferirem em seu trabalho como ator, o que ocorreu no filme O sol é para todos, "Não sou um benfeitor. Me envergonharia ser classificado como humanitário. Eu simplesmente participo de atividades em que acredito", afirma Peck.

Os anos 70 vem chegando para reescrever a história do cinema, nessa fatídica década, seriam produzidos filmes incríveis, uma nova geração formidável de cineastas que incluía Martin Scorsese, Woody Allen, Steven Spielberg, George Luccas, Michael Cimino, Brian de Palma, Peter Bogdanovich, Paul Schrader, Paul Mazursky, John Milius, John Carpenter, William Friedkin e Francis Ford Coppola começaria a ganhar notoriedade. Uma nova leva de atores brilhantes com Al Pacino, De Niro, Gene Hackman, Robert Duvall, Diane Keaton, Dustin Hoffman, Jack Nicholson, Robert Redford, Jane Fonda, Barbra Streisand, Elliott Gould, Richard Dreyfuss e Meryl Streep também surgiria.

Em 1967, Luis Buñuel lança A bela da tarde, que narra a história de uma dona de casa casada que decide adentrar o mundo da prostituição. Na Itáia, dois importantes diretores, Luchino Visconti e Pier Paolo Pasolini lançam filmes escandalosos que abordam a liberdade sexual, piadas escatológicas, nudismos e símbolos fálicos. Em 1974, chega aos cinemas Emmanuelle, de Just Jaeckin, que conta a história de uma mulher casada que explora as várias possibilidades do sexo; um ano depois Pier Paolo Pasolini lança Saló, que aborta temas como nazismo e estupro. Já em 1976, é produzido na Dinamarca O império dos sentidos, história de amor de uma ex-prostituta.

Era o cinema europeu se desvinculando do conservadorismo, embora na mesma época o cinema norte-americano já apresentava indícios de que iria produzir, em breve, obras que abordassem temáticas polêmicas como sexualidade, drogas e violência explícita, nesse contexto, destaca-se dois poderosos e importantes filmes da época: Laranja mecânica (1971), de Stanley Kubrick e Taxi driver (1976), de Martin Scorsese. 

Os anos 60 estão chegando ao fim, e ficaram pelo caminho seus grandes símbolos: Marilyn Monroe, Montgomery Clift, Martin Luther King, Robert Kennedy, Sharon Tate, dentre outros. Marlon Brando, para o bem ou para o mal, ainda era um dos poucos símbolos dos anos 50 e 60 que estava na ativa.

E juntamente com tudo isso, os anos 60 levava consigo uma década extremamente atípica para o cinema, o grande sucesso Se meu apartamento falasse (1960) abordou temas polêmicos como adultério, Adivinha quem vem para jantar (1967) tocou na delicada questão racial, Perdidos na noite (1969) aborta o tema da prostituição masculina; outro filme decisivo foi o clássico de Mike Nichols, A primeira noite de um homem (1967), estrelado por Dustin Hoffman e Anne Bancroft, “se a maior parte do cinema americano fora até então convencional, esse filme de Nichols conecta o velho mundo com o novo apontando para o cinema mais experimental que viria na década de 70”, conclui a escritora e editora Carol King. O cineasta Michelangelo Antonioni lança Blow-up (1966), com cenas explicitas de sexo e consumo de drogas, já o surrealista Luis Buñuel chocou a todos ao contar a história de uma tímida dona de casa que, por livre iniciativa, adentra o mundo da prostituição em A bela da tarde (1967). John Cassavetes introduziu o cinema independente em plena Hollywood; alguns diretores de sucesso da televisão como Arthur Penn, Norman Jewison, Mike Nichols e Sidney Pollack migraram para o cinema; diretores americanos de sucesso como Stanley Kubrick e Richard Lester optaram por se estabelecer na Grã-Betanha, por outro lado cineastas estrangeiros como John Schlesinger, John Boorman e Roman Polanski partem para Hollywood; níveis nunca vistos antes de violência são mostrados explicitamente em Os doze condenados e Bonnie e Clyde (ambos de 1967), e Meu ódio será tua herança (1969); o western, gênero tipicamente americano, começa a ser produzido na Itália – um movimento que ficou conhecido como Spaghetti Western – revelando três grandes nomes do cinema, o ator Clint Eastwood, o diretor Sergio Leone e o compositor Ennio Morricone. “A história dos filmes de Hollywood da década de 60 também pode ser considerada pelo viés da mudança dos padrões de censura e das atitudes político-sociais. Aquela foi uma época de transição entre o Rat Pack e Woodstock, entre a camelot idealista de John Kennedy e as mobilizações fervorosas a favor dos direitos civis e contra a Guerra do Vietnã”, analisa o romancista, crítico e locutor Kim Newman.

Sem contar que os anos 60 foram dominados por grandes filmes de espionagem, como os da série James Bond; revolucionárias ficções científicas como O planeta dos macacos e 2001: uma odisseia no espaço (ambos de 1968); além de novos terrores como A aldeia amaldiçoada (1960), A noite dos mortos vivos e O bebê de Rosemary (ambos de 1968).

Vale destacar também que a Hollywood dos anos 60 recebeu influência direta da Nouvelle vague francesa, movimento cinematográfico liderado por Jean Luc-Godard e Françoise Truffaut, o diferencial desse novo movimento é que os filmes apresentariam uma abordagem mais ambiciosa, pessoal e liberal do ponto de vista formal narrativo do que o restante dos filmes comerciais produzidos pelos grandes estúdios na época, e portanto surgiram novos atores, diretores, gêneros e subgêneros de filmes influenciados diretamente pela vanguarda e contracultura da Nouvelle vague, enquanto outros tipos de filmes ficaram ultrapassados. Todo o movimento cinematográfico dos anos 60 – principalmente o da segunda metade da década – ficou conhecido como a “nova Hollywood”. A essa altura, cineastas como William Wyler, Billy Wilder e Elia Kazan representavam o que havia de mais antiquado. Nas palavras de Sidney Pollack, a velha Hollywood simbolizava “as mesmas pessoas fazendo as mesmas coisas que vêm fazendo nos últimos 25 anos”.

Nessa época e nesse contexto, estava surgindo uma nova tendência em Hollywood: a das superproduções Hollywoodianas, os produtores criando obras que pretendiam seguir a popularidade de produções recentes e de considerável sucesso como Aeroporto (1970), O destino de poseidon (1972), O inferno na torre (1974), Tubarão (1975), Guerra nas estrelas e Contatos imediatos do terceiro grau (ambos de 1977). “A superprodução talvez possa ser mais bem definida como um filme que usa um estreito conjunto de parâmetros – ficção científica, terror, comédia, fantasia, catástrofe ou ação – para atrair o maior público possível”, explica o crítico e redator Tom Huddleson, mais a frente em seu artigo ele ainda reflete que “a superprodução valoriza o drama com efeitos especiais e sonoros maiores ou melhores. Para o público eles acentuam a sensação de terror ou de encantamento quando o Bem triunfa sobre o Mal ou quando a humanidade sobrevive a todas as dificuldades”.

Desde o surgimento desta nova onda, os maiores campeões de bilheteria haviam sido direcionados a plateias mais jovens, essa mudança representou um aumento significativo nos lucros, não contanto apenas com o valor das bilheterias, mas também de brinquedos, vídeos e DVDs, que por vezes geram mais receita que os próprios lançamentos no cinema. Senão vejamos, O exorcista (1973) ultrapassou a marca de 200 milhões de dólares de receita, um feito inédito para o cinema até então. Tubarão (1975) ultrapassou a marca de O exorcista em mais de 60 milhões. Dois anos depois, o primeiro filme da saga Star wars (1977) desbancou os sucessos anteriores com um impressionante lucro de mais de 500 milhões de dólares. Nunca números tão altos haviam sido vistos no cinema até então.




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