O Grande Ditador

Filme de 1940, do diretor Chales Chaplin, marca a transição do cinema mudo para o cinema falado para o diretor, abordando com seu senso de humor típico o momento histórico em questão,  a Segunda Guerra Mundial, satirizando os principais expoentes fascistas, Adolf Hitler e Benito Mussolini.

E falando mais sobre esse diretor genial e a chegada do cinema falado, trazemos aqui mais uma contribuição de Vitor Grané Diniz, da página "Noites de Cinema" do Facebook, com o texto a segurir.



          Hollywood, 1927. Chega aos cinemas O cantor de jazz, o primeiro filme falado da história do cinema, essa nova tendência causa um furor na indústria cinematográfica e nos fãs, que estão em polvorosa para verem os ídolos da época – Douglas Fairbanks, John Gilbert, Theda Bara, Greta Garbo, Mary Pickford, Gloria Swanson, John e Lionel Barrymore – falarem em cena. Os comediantes mudos também não escapam à nova tendência.

          As gags visuais e cênicas que foram tão populares anos antes, agora estavam à prova, filmes como Em busca do ouro, A general e O homem-mosca continuariam populares ou tornariam-se meras lembranças nostálgicas? Neste contexto que surgem os primeiros comediantes importantes da fase sonora do cinema e da televisão: Abott&Costello, o gordo e o magro, os três patetas.

          Nem todos os profissionais do cinema veem com bons olhos a chegada do som. Charles Chaplin, por exemplo, defendia que o cinema mudo era uma linguagem universal, e que o cinema falado não daria conta de abranger o público do mundo inteiro. Mesmo como o mais popular comediante de sua época, havia uma pressão da imprensa e do público por um lançamento falado do icônico vagabundo. Mas como Carlitos, um personagem impossível de se imaginar falando, poderia falar?

          Chaplin iniciou sua carreira cinematográfica em 1914, com absoluto sucesso ele se tornou o mais popular artista de seu tempo, entre 1914 e 1923, Chaplin abriu seu próprio estúdio, ficou milionário, cofundou a United Artists, tornou-se o homem mais famoso do mundo e lançou verdadeiras obras-primas como Vida de cachorro, Ombros, armas, Pastor de almas, Dia de pagamento, Idílio campestre, Um dia de prazer, Os ociosos e, principalmente, O garoto.

          No entanto, após o lançamento de O circo, em 1928, Chaplin reluta ao máximo em aderir ao som. No auge de sua popularidade, ele ainda tem credibilidade para atrair o público com duas comédias mudas: Luzes da cidade e Tempos modernos, lançadas em plena era do cinema sonoro.

          As duas comédias trazem críticas implícitas (ou nem tanto) ao som. Em Luzes da cidade, logo na cena de abertura, o prefeito discursa em uma cerimônia de inauguração de uma estátua, suas falas dão lugar a um garrancho sonoro incompreensível. Chaplin, com maestria, ridiculariza a qualidade de som dos primeiros filmes falados.

          Mas teria sido muito mais fácil, para Chaplin, se ele tivesse feito Luzes da cidade como um filme falado. Por exemplo: a florista cega tinha que pensar que o vagabundo era, na verdade, um milionário. Mas como fazer isso sem som, sem diálogos?

          Chaplin achou uma ótima solução: a florista iria confundir o vagabundo com o milionário pelo som da batida da porta do carro. Ela houve e pensa que se trata dele, e que havia ido embora sem pegar o troco.

          Da maneira que podia, ele ia burlando o som e o adiando em seus filmes.

          E olhem só, em seu filme seguinte, Tempos modernos, apenas as máquinas têm falas; rádio, televisores, computadores, menos os seres humanos.

          Mas o Chaplin era esperto, ele sabia que o público babava por ouvir sua voz, então, de fato, como falei anteriormente, Carlitos era um personagem impossível de se imaginar falando, mas ele poderia cantar. Então no final do filme, Chaplin dá um “aperitivo” ao público e solta a voz em uma canção cantada em uma língua fictícia, um misto de vários dialetos e sotaques das línguas francesa, italiana e espanhola. E então, pela primeira vez, a voz de Charles Chaplin foi ouvida em um filme.

           No final dos anos 30, o cerco se fecha, o mundo inteiro já aderiu ao cinema sonoro, mesmo com seu talento e popularidade, Charles Chaplin não poderia, sozinho, enfrentar um sistema inteiro. Parecia inevitável que, em pouco tempo, ele se renderia ao cinema falado.

          Buster Keaton e Harold Lloyd – dois dos chamados “três gênios da comédia” falham na missão de cativar o público com suas comédias faladas. As carreiras de Keaton e Lloyd não sobreviveram à chegada do som, por que a de Chaplin então sobreviveria? Como um comediante essencialmente visual poderia realizar um filme sonoro e, ainda por cima, obter sucesso?

          Chaplin sabe. Ele cria um filme onde ele próprio interpretaria dois personagens: um deles, com características essencialmente mudas, que valorizasse as gags visuais e mímicas, e que ainda estivesse alinhado ao conceito de comédia muda; e o outro, um verdadeiro tagarela, este sim para satisfazer o anseio do público e da crítica em ouvir a voz do mais famoso comediante do mundo.

          É neste cenário que Charles Chaplin lança, em 1940, O grande ditador, cuja história tem início ainda na primeira guerra mundial. Um barbeiro judeu (interpretado por Chaplin) serve brava, porém ineficazmente ao exército da Tomânia (uma sátira à Alemanha). No final da guerra, o babeiro se fere gravemente e acaba por passar anos em um hospital, inconsciente. Enquanto isso, o ditador Hynkel (sátira a Adolf Hitler) domina a Tomânia com punhos de aço. Ao voltar para casa depois de anos, o barbeiro encontra um cenário devastador, dominado pelo regime de Hynkel.

          Chega a ser um interessante exercício analisar o filme de um ponto de vista técnico, onde reparamos na alternância entre as cenas dos dinâmicos discursos e diálogos de Hynkel, e as cenas coreografas e gestuais do barbeiro.

          De maneira brilhante, Chaplin faz uma surpreendente transição do cinema mudo clássico para o contemporâneo e tecnológico cinema falado, contra o qual ele relutou em aderir por mais de uma década. O grande ditador, quando lançado em 1940, lotou as salas de cinema e foi o maior sucesso de sua carreira.

          Depois de O grande ditador, Chaplin ainda realizou mais quatro filmes essencialmente falados, sendo dois deles brilhantes: Monsieur Verdoux e Luzes da ribalta, e dois deles não tão ilustres: Um rei em Nova York e A condessa de Hong Kong.

          Todos estes filmes tinham um formato consolidado de cinema falado. Vejam as observações que o cineasta francês Claude Chabrol fez sobre O grande ditador e Monsieur Verdoux: “Eu vi Monsieur Verdoux pela primeira vez na noite de estreia no cinema Gaumont Palace, o que me impressionou de verdade em relação aos filmes precedentes foi uma feitura que não tinha nada a ver com o cinema mudo. Mesmo se, revendo-o agora, percebo que não é exatamente verdade, mas ele tinha uma forma que era a do cinema falado que ainda não estava totalmente presente em O grande ditador, onde havia uma alternância entre cenas de discurso e cenas mudas, ao passo que aqui trata-se de um filme concebido como filme falado”.

          E mais, em nenhum de seus filmes pós O grande ditador, Chaplin trouxe o Carlitos de volta. Ou seja, seu personagem lendário deixou de existir a partir do momento em que ele falou. E com Monsieur Verdoux, Charles Chaplin abandonou definitivamente o figurino de Carlitos.

           Por conta de sua genialidade, habilidade, visão e sensibilidade, Chaplin se firmou como um dos mais importantes comediantes e diretores de cinema de todos os tempos, sendo decisivo para a popularização das comédias mudas e, também das faladas.


Texto de Vitor Grané Diniz

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